22 maio 2015

A cozinhar como em 1993

Hoje em dia há tantos programas de culinária que já todos devíamos ter aprendido a cozinhar como um chef Michelin. Infelizmente, eu, pelo menos, acho que a cozinha se tem tornado complicadíssima. Por um lado, nunca gostei de cozinhar (eu é mais bolos, gelados e algumas sobremesas). Por outro, nem sequer gosto de uma grande parte dos ingredientes da cozinha moderna. Quando eu era miúda ninguém usava curgete, aipo, ou beterraba, beringela era apenas um vegetal com uma cor gira para desenhar e pintar, e as natas vinham de se ferver o leite que vinha do agricultor e só eram usadas para fazer mousse de chocolate. O leite não entrava na composição de pratos de almoço ou jantar - só nas sobremesas - e o mesmo se aplicava às natas e ao queijo.
Uma das minhas minha avós cultivava tremoços. Colhia-os na altura certa, cozia-os e punha-os em água com sal, que ia mudando todos os dias, até que estivessem curados. Eram tremoços enormes, e eu comi-os em quantidades industriais sempre que os havia. Lembro-me de encher um prato de sopa de tremoços e sentar-me em frente à televisão a comê-los como se fossem pipocas.
As minhas duas avós tinham azeitonas, que também curavam em casa - e de que nunca gostei. Só hoje em dia ganhei o gosto por um tipo de azeitonas, as verdes. Às vezes amigos meus sonham acordados com oliveiras, e terem as suas próprias azeitonas. Quando lhes explico o processo de cura das azeitonas, mesmo sem entrar em pormenores de talhas fechadas com azeitonas e água bolorenta - desistem da ideia. Há árvores que dão menos trabalho. Laranjeiras, por exemplo.
A culinária em si, é toda uma outra história. Eu sei que antigamente havia coisas muito complicadas. Lembro-me de ver a minha vizinha cortar o pescoço a uma galinha e depená-la. Uma canseira, para um animal que dá apenas uma refeição. E matar um coelho e tirar-lhe a pele? E estes eram animais do mais "biológico" que pode haver, viviam ao ar livre a maior parte do tempo, não levavam antibióticos e a comida era da horta, sempre que a houvesse. A ração era cara. Mas ovos, leite, legumes e fruta havia sempre com fartura, azeite, azeitonas, e enchidos eram coisas que faziam parte de qualquer despensa. Batatas, legumes, e carne eram básicos. Salada e sopa também. A sobremesa de todos os dias era a fruta da época - e a fruta era madura e saborosa.
Agora há receitas com três páginas A4 e letra miudinha. Há quem tenha paciência para estar na cozinha três horas a produzir obras primas. Eu desisto ao olhar para a lista de ingredientes.
Há  concursos de culinária onde miúdos de dez anos fazem coisas que eu quando muito apenas almejo comer. E programas onde se fazem sobremesas complicadíssimas.
Esta modernidade toda contribui para me convencer que a cozinha não é para mim. Para provar estou cá eu, para fazer... esqueçam.
Resta-me a RTP memória, e cozinheiros como o Chef Silva, para me fazer sentir melhor. Caramba, o Chef Silva cozinha coisas em frente à televisão que eu também seria capaz de fazer, e de comer. Faz sobremesas como as minhas. E a apresentação dos seus pratos, não é bem uma obra de arte - o que importa ali é o sabor. Vejam este bacalhau com broa no forno. Não leva nenhum ingrediente que a minha avó não tivesse disponível.
E felizmente, há a internet, o maior livro de receitas do mundo, com índice por ingredientes, nome do prato, ou até evento ou o que nos lembrarmos de escrever na barra de pesquisa, devidamente acompanhado da palavra "receita". E foi aí que encontrei um dos melhores bolos de chocolate de sempre, o chocolate blackout cake - que me demora 3 horas a fazer, e por isso só sai uma vez por festa, mas é maravilhoso e vale a pena. Também foi na net que descobri um outro bolo de chocolate que faço imensas vezes, este bolo de chocolate com amêndoa moída, que me demora uma meia hora e é sempre um sucesso.
De resto, cozinhar? Batatas cozidas (15 minutos desde que a água começa a ferver), massa (instruções na embalagem), sopa (3-4 ingredientes base, mais o sal e azeite), salada (lavar, secar, temperar), e carne temperada grelhada. Ou ovos - estrelados, cozidos, omeletes. A minha sorte é ter um cozinheiro de mão cheia em casa. Mas sem ele, também não morreria à fome.

3 comentários:

  1. Já eu não tenho queda para a doçaria, só mesmo o básico, e mesmo assim...
    às vezes também fico desmotivada quando me interesso por alguma receita e depois vejo que dá muito trabalho (tempo para fazer ou ingredientes que não estão à mão) mas de outra parte, gosto de conhecer e experimentar coisas novas. e parece que há sempre coisas por descobrir, acho engraçado.
    os meus avós maternos tinham uma quintazinha onde cultivavam principalmente fruta (chegaram a ter animais e lembro-me como se fosse hoje, quando vinha de férias, de pedir para ir ver os pintainhos e os coelhinhos :) depois deixaram de ter, por causa da "maligna"): as melhores laranjas que comi na vida eram as do meu avô - grandes, sumarentas, doces como tudo, com muitos "filhos", era um regalo... que saudades. Também faziam azeite e arranjavam azeitonas: tenho bem presente o cheiro que vinha da "loja"(uma divisão escura no rés-do-chão da casa) e ainda hoje quando o sinto, digo que cheira à casa da avó.
    Por falar em avós e simplicidade, a minha avó não sabia ler nem escrever e fazia sempre um bolo a olho, certamente com os ingredientes mais básicos, mas que era delicioso (fazia numa forma rectangular e cortava aos quadradinhos) :)
    desculpa este comentário gigante, mas isto trouxe-me muitas recordações :)

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    1. :)
      Laranjas com "filhos"!!! já nem me lembrava disso! E uma das minhas avós também tinha "loja" no R/C!
      Agora com a conversa da fruta fizeste-me lembrar os melões e melancias na casa dos meus avós no verão, nunca comi melões e melancias tão doces (de maduros!) como aqueles!

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  2. Já agora não te esqueças também dos teus mundialmente conhecidos pratos de tudo o que calhar (bem, aqui estou a exagerar,claro) numa panela e o famoso feijão frade com atum.

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