(da série "o interior esquecido e ostracizado")
Sair à rua à hora do almoço, atravessar a "cidade" a pé. Poucos carros, ouve-se bem a gente nas conversas no meio da rua, todos se cumprimentam. Mais à frente uns homens falam sobre um outro, alguns palavrões a colorir a linguagem. Tenho uma teoria que ando a testar, de qualquer rua dá sempre para ver os montes. Azuis, os montes são azuis ao longe, e há muito monte por onde escolher.
O jardim - é "o jardim", não um jardim - está cheio de flores, sente-se o aroma ao passar, e só depois se repara nas flores. O jardim tem muito mais área cimentada que jardim propriamente dito, mas tem bancos, e há sempre quem aproveite para se sentar um bocadinho.
As lojas fecham daqui a bocadinho, para todos almoçarem, reabrem pelas duas e meia. Antigamente só os cafés e os restaurantes ficavam abertos ao meio dia, hoje em dia fazem-lhes companhia as lojas chinesas que vieram substituir a loja dos trezentos, e o supermercados das cadeias nacionais. E a farmácia de serviço.
Queria atravessar a rua, mas o semáforo está vermelho e um GNR mesmo colado a ele. É melhor esperar, embora o sinta como a coisa errada a fazer. Aquele cruzamento não devia ter semáforos, umas passadeiras e um sinal de stop, como havia dantes, serviam bem e não gastavam electricidade. Um ou outro carro vão passando, deslocados, perdidos, surpreendidos pelos sinais de controlo.
Quase só se ouve gente e pássaros. Nos ninhos, os jovens passarinhos chamam pelos pais, para que não se esqueçam de lhes trazer que comer.
Depois do almoço, dorme-se a sesta.
30 maio 2014
23 maio 2014
Podcasts
Deve haver podcasts há uns 10 anos, mais coisa menos coisa. Nunca atinei com eles, os de áudio, tenho dificuldades em concentrar-me no som quando estou no computador, e nunca aderi aos produtos da maçã. Até que chegou o dia. Com os telefones inteligentes, de repente passei a ter um pequeno computador nas mãos a toda a hora, com acesso à net permanente (viva a flat rate), e inúmeras possibilidades à distância da imaginação - ou da pesquisa nos tops da loja de apps.
Nas últimas férias na pátria, andava eu sem telefone esperto mas de rádio ligado, a apanhar os bocadinhos cómicos das rádios todas, e ouço alguém a dizer que de manhã estava sempre a mudar de rádio para apanhar as rubricas todas. Aquelas do homem que mordeu o cão, mixórdia de temáticas, nilton, e os outros rapazes que já não me lembro o nome. E depois, não sei bem porque motivo, cheguei a casa, e lembrei-me que isto dos podcasts era engraçado, se desse para ouvir estes bocadinhos de rádio, à hora que me desse jeito, tantos quantos fosse possível ouvir enquanto tivesse tempo livre. Instalei tudo, mandei o telefone fazer downloads, e manter a lista do que já ouvi, que o tempo é curto para repetições, e agora os podcasts acompanham-me a fazer as coisas mais estranhas. No carro, no ginásio, nos tempos mortos. Só me falta lembrar-me de andar com os auscultadores para a lista dos não ouvidos diminuir, em vez de aumentar. Há quem ouça música enquanto corre. Eu ouço podcasts no ginásio.
Nas últimas férias na pátria, andava eu sem telefone esperto mas de rádio ligado, a apanhar os bocadinhos cómicos das rádios todas, e ouço alguém a dizer que de manhã estava sempre a mudar de rádio para apanhar as rubricas todas. Aquelas do homem que mordeu o cão, mixórdia de temáticas, nilton, e os outros rapazes que já não me lembro o nome. E depois, não sei bem porque motivo, cheguei a casa, e lembrei-me que isto dos podcasts era engraçado, se desse para ouvir estes bocadinhos de rádio, à hora que me desse jeito, tantos quantos fosse possível ouvir enquanto tivesse tempo livre. Instalei tudo, mandei o telefone fazer downloads, e manter a lista do que já ouvi, que o tempo é curto para repetições, e agora os podcasts acompanham-me a fazer as coisas mais estranhas. No carro, no ginásio, nos tempos mortos. Só me falta lembrar-me de andar com os auscultadores para a lista dos não ouvidos diminuir, em vez de aumentar. Há quem ouça música enquanto corre. Eu ouço podcasts no ginásio.
20 maio 2014
Newsletter
A educadora bem intencionada manda dois ou três emails por mês a contar o plano para as semanas seguintes. Se vão falar de animais, ou fazer experiências com ovos, se vão dar um passeio e é necessário levar lanche. A mensagem vem sempre em Word. Encriptada numa fonte qualquer, daquelas que imitam a letra manuscrita, até na ilegibilidade. Podia ser wingdings que ia dar ao mesmo. Um ano lectivo disto. De todas as vezes, antes de conseguir ler os documentos, tive que mudar para Arial. Porque é que ninguém lhe diz?
(Eu sei, eu sei, podia ser eu... mas só a vejo logo de manhã e ainda vou a dormir, a essa hora não sou capaz de pensar em nada. A não ser em como estava quentinha no vale dos lençóis.)
(Eu sei, eu sei, podia ser eu... mas só a vejo logo de manhã e ainda vou a dormir, a essa hora não sou capaz de pensar em nada. A não ser em como estava quentinha no vale dos lençóis.)
Não sou uma rapariga da cidade
Não sendo uma rapariga da aldeia - não sou amiga da bicharada, e as plantas não se dão bem comigo - descubro, ao fim de tantos anos, que também não sou uma rapariga da cidade.
Hoje esteve um dia de sol. Um dia quente, quase verão, t-shirt e saia, miúdas de calções, pernas ao léu. Munique inteira saiu à rua, em êxtase, e também com medo que isto dure pouco, já que terminou agora mesmo mais de uma semana de tempo cinzento e frio. Munique tem 1,4 milhões de habitantes. E muitos turistas - prato do dia: irlandeses, austríacos, e mix de asiáticos. Todos na rua, ao mesmo tempo. Sendo Munique uma cidade com uma área relativamente grande, ainda assim, isto dá muita gente por metro quadrado. Muita gente a atropelar-se na fila para os gelados (a sério, e nem faz sentido, os gelados são bons nas gelatarias quase todas). As esplanadas cheias. O rio, ou melhor, a praia de seixos ao longo do rio, também.
Falta-me a paz e sossego. Chego ao fim do dia de trabalho cansada, e já não me apetece fazer nada. Os dias são curtos, e há sempre alguém a querer alguma coisa. Podia dizer que preciso de férias, mas o que eu queria mesmo é de uma densidade populacional inferior a 100 habitantes por quilómetro quadrado.
Hoje esteve um dia de sol. Um dia quente, quase verão, t-shirt e saia, miúdas de calções, pernas ao léu. Munique inteira saiu à rua, em êxtase, e também com medo que isto dure pouco, já que terminou agora mesmo mais de uma semana de tempo cinzento e frio. Munique tem 1,4 milhões de habitantes. E muitos turistas - prato do dia: irlandeses, austríacos, e mix de asiáticos. Todos na rua, ao mesmo tempo. Sendo Munique uma cidade com uma área relativamente grande, ainda assim, isto dá muita gente por metro quadrado. Muita gente a atropelar-se na fila para os gelados (a sério, e nem faz sentido, os gelados são bons nas gelatarias quase todas). As esplanadas cheias. O rio, ou melhor, a praia de seixos ao longo do rio, também.
Falta-me a paz e sossego. Chego ao fim do dia de trabalho cansada, e já não me apetece fazer nada. Os dias são curtos, e há sempre alguém a querer alguma coisa. Podia dizer que preciso de férias, mas o que eu queria mesmo é de uma densidade populacional inferior a 100 habitantes por quilómetro quadrado.
18 maio 2014
Às vezes é preciso ostracizar a família
Apanhei a minha mãe ao telefone, para me dar os parabéns. O meu pai, que andava perto mas não o suficiente para eu ouvir, ia metendo a sua colherada à distância, e perguntava se eu já sabia o que é a minha prenda. Prenda essa que só vou ter nas mãos daqui a uns dias.
Há pessoas que gostam de surpresas. E há o meu pai, que não só abomina surpresas, mas também não consegue conceber que se surpreenda alguém, em tempo algum. E eu, embora não seja a maior fã de surpresas, gosto de só saber o que são as minhas prendas quando as tenho na mão, depois de as desembrulhar.Vou ter que evitar o meu pai até esse momento. E arranjar uns tampões para os ouvidos para os últimos minutos.
Há pessoas que gostam de surpresas. E há o meu pai, que não só abomina surpresas, mas também não consegue conceber que se surpreenda alguém, em tempo algum. E eu, embora não seja a maior fã de surpresas, gosto de só saber o que são as minhas prendas quando as tenho na mão, depois de as desembrulhar.Vou ter que evitar o meu pai até esse momento. E arranjar uns tampões para os ouvidos para os últimos minutos.
Dos miúdos
As primeiras palavras são uma fofura.
Quando eles começam a conhecer os números, genial.
A identificação das letras e as primeiras palavras escritas, um ponto alto.
Aprendem a escrever o nome, maravilha.
Vão para a escola, que grandes.
E depois uma sucessão de coisas mais ou menos ao mesmo nível, intercaladas com um e outro momento genial, que é quando vamos descobrindo a que é que eles são mesmo bons, até ao dia. Aquele que, não sei bem porquê, nunca me tinha apercebido que um dia, com certeza, iria chegar. O momento alto na vida de uma mãe geek.
O dia em que nos sentamos à mesa a discutir programação. De software.
(O puto escreveu - codificou - um jogo. Daqueles básicos e viciantes. Precisava de ajuda com a lista dos highscores. Tanta baba...)
Quando eles começam a conhecer os números, genial.
A identificação das letras e as primeiras palavras escritas, um ponto alto.
Aprendem a escrever o nome, maravilha.
Vão para a escola, que grandes.
E depois uma sucessão de coisas mais ou menos ao mesmo nível, intercaladas com um e outro momento genial, que é quando vamos descobrindo a que é que eles são mesmo bons, até ao dia. Aquele que, não sei bem porquê, nunca me tinha apercebido que um dia, com certeza, iria chegar. O momento alto na vida de uma mãe geek.
O dia em que nos sentamos à mesa a discutir programação. De software.
(O puto escreveu - codificou - um jogo. Daqueles básicos e viciantes. Precisava de ajuda com a lista dos highscores. Tanta baba...)
11 maio 2014
Trava-língua
Na estação central de Munique, encontro o meu maior problema linguístico desde que me mudei para esta cidade. Para enquadrar a minha dificuldade, devo dizer que, apesar de viver na Alemanha, a língua que eu falo 90% do tempo é inglês. Depois vem o português e só depois o alemão.
Em Hauptbanhof há um quiosque "Brioche Dorée"(imagem aqui). Ora, o brioche dourado é uma cadeia, que se encontra por França - e desde há algum tempo em Munique, na estação central, também - que vende produtos de pastelaria/padaria/café. Tem algumas coisas de que eu gosto muito: macarrons, brioches, croissants, pain au chocolat, tartes de morango e tarte de limão merengada. Assim de repente, é o que me lembro que tem de melhor. Ora, a primeira vez na vida que eu entrei num Brioche Dorée foi em França - nem me lembro o que é que andava lá a fazer, se turismo, se trabalho, se qualquer outra coisa. E entrei em vários, onde comi bolos, pão, croissants. De todas as vezes, antes de passar pela porta, ensaiava mentalmente o diálogo. O que é que vou querer hoje? "Bonjour. Je voudrais une tarte aux fraises." "Je voudrais deux brioches." "Merci. Bonne journée, au revoir." Coisas assim, melhor ou pior, com mais ou menos erros, mas o importante era que eu ia conseguir comer exactamente aquilo que queria.
Chegamos a Hauptbanhof. Da primeira vez que vi que havia um brioche dourado na estação central, embora em versão quiosque em vez do café, o meu estômago saltou de contente. Brioches! Croissants! Macarrons! Fui logo ver o que tinha na montra, debatendo comigo própria por uns minuto o que é que eu ia experimentar, para começar. E em chegando ao momento de abrir a boca e falar, para pedir o que eu queria, só me saía francês. Pois estando ali todas as etiquetas à minha frente a gritar "tarte aux fraises", "macarrons pistache", "macarrons chocolat", "tarte au citron", como é que eu podia dizer "Ich hätte gern eine tarte aux fraises."? Pura e simplesmente, não saía. Pior, eu começo a fazer o meu pedido em francês, e o empregado não percebia nadinha. O que é irónico, afinal de contas, ele tinha as etiquetas com os nomes à frente dele o dia todo. Mas nada, lá tive que convencer os meus neurónios a trocar para alemão, pelo menos um bocadinho, e, com muito esforço, lá consegui.
Isto foi há alguns meses, pouco mais de um ano. Entretanto, por mais tempo que passe, de cada vez que vou ao Brioche Dorée já sei que me vou debater com as línguas. Por mais que me esforce, qualquer diálogo que não tenha sido previamente ensaiado em alemão na minha cabeça, vai sair em francês. Pelo menos, entretanto, os funcionários já dominam o "oui". E riem-se, quando lhes explico que isto de encomendar em alemão comida francesa, é mesmo difícil para mim.
Em Hauptbanhof há um quiosque "Brioche Dorée"(imagem aqui). Ora, o brioche dourado é uma cadeia, que se encontra por França - e desde há algum tempo em Munique, na estação central, também - que vende produtos de pastelaria/padaria/café. Tem algumas coisas de que eu gosto muito: macarrons, brioches, croissants, pain au chocolat, tartes de morango e tarte de limão merengada. Assim de repente, é o que me lembro que tem de melhor. Ora, a primeira vez na vida que eu entrei num Brioche Dorée foi em França - nem me lembro o que é que andava lá a fazer, se turismo, se trabalho, se qualquer outra coisa. E entrei em vários, onde comi bolos, pão, croissants. De todas as vezes, antes de passar pela porta, ensaiava mentalmente o diálogo. O que é que vou querer hoje? "Bonjour. Je voudrais une tarte aux fraises." "Je voudrais deux brioches." "Merci. Bonne journée, au revoir." Coisas assim, melhor ou pior, com mais ou menos erros, mas o importante era que eu ia conseguir comer exactamente aquilo que queria.
Chegamos a Hauptbanhof. Da primeira vez que vi que havia um brioche dourado na estação central, embora em versão quiosque em vez do café, o meu estômago saltou de contente. Brioches! Croissants! Macarrons! Fui logo ver o que tinha na montra, debatendo comigo própria por uns minuto o que é que eu ia experimentar, para começar. E em chegando ao momento de abrir a boca e falar, para pedir o que eu queria, só me saía francês. Pois estando ali todas as etiquetas à minha frente a gritar "tarte aux fraises", "macarrons pistache", "macarrons chocolat", "tarte au citron", como é que eu podia dizer "Ich hätte gern eine tarte aux fraises."? Pura e simplesmente, não saía. Pior, eu começo a fazer o meu pedido em francês, e o empregado não percebia nadinha. O que é irónico, afinal de contas, ele tinha as etiquetas com os nomes à frente dele o dia todo. Mas nada, lá tive que convencer os meus neurónios a trocar para alemão, pelo menos um bocadinho, e, com muito esforço, lá consegui.
Isto foi há alguns meses, pouco mais de um ano. Entretanto, por mais tempo que passe, de cada vez que vou ao Brioche Dorée já sei que me vou debater com as línguas. Por mais que me esforce, qualquer diálogo que não tenha sido previamente ensaiado em alemão na minha cabeça, vai sair em francês. Pelo menos, entretanto, os funcionários já dominam o "oui". E riem-se, quando lhes explico que isto de encomendar em alemão comida francesa, é mesmo difícil para mim.
04 maio 2014
Não gosto nada de planear esta parte das viagens
Naquela meia hora que intercede verificar preços de bilhetes de avião para determinadas datas, ver se bate tudo certo para toda a gente chegar ao mesmo sítio no mesmo dia, da maneira mais poupadinha possível (como se poupar se conjugasse com viagens de avião), o preço de todos os troços aumenta entre 10 e 100%. Nem a limpar o histório, mudar de browser ou de computador a coisa melhorou, ou agora o aumento de preço na segunda tentativa está indexada ao IP, ou simplesmente só havia um ou dois bilhetes àqueles preços e entretanto alguém os comprou. O stress que isto dá, méne. Agora vou precisar de umas semanas para recuperar do choque, para depois planear tudo o resto. Que os bilhetes são só o primeiro passo.
Uma pessoa pensa que à medida que os putos crescem a coisa se vai simplificando, mas na verdade, enquanto umas partes se tornam extremamente simples, outras partes vão-se tornando extremamente complicadas.
Uma pessoa pensa que à medida que os putos crescem a coisa se vai simplificando, mas na verdade, enquanto umas partes se tornam extremamente simples, outras partes vão-se tornando extremamente complicadas.
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